sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Arte Que Não Dormia: Etapas de Construção

PREPARAÇÃO

O Roteiro do filme “O Homem que Não Dormia” era um antigo projeto do diretor Edgard Navarro. Após a captação dos recursos financeiros, da escolha dos chefes de cada departamento do filme e de sucessivas correções, cortes e impressões do roteiro, Edgard, disponibilizou sua história para leitura efetuada por uma restrita equipe, formada pela Diretora de Arte, pelo 2º Assistente de Direção, pelo Diretor de Fotografia, Diretor de Arte e seu (a) assistente. A partir daí, visitas à locação foram sendo providenciadas e a análise técnica do filme começou a ser confeccionada. Isto era Janeiro, quando os outros integrantes das equipes começavam a ser convocados, reuniões para discutir o projeto eram efetivadas e os trabalhos de pesquisa começavam a ser desenvolvidos.

VISITA A LOCAÇÕES

Praticamente todas centradas em Igatú, as locações foram sendo buscadas uma por uma de acordo com o gosto conjunto dos diretores do filme, de arte e fotografia. As escolhas, porém, não são aleatórias uma vez que, como abordado anteriormente, casas, quartos e ambientes falam muito sobre os personagens e suas personalidades. Durante três dias – de 23 a 25 de janeiro de 2009 - uma reduzida equipe foi a campo aprovar as locações cogitadas em visitas anteriores à cidade de Igatú. Esta equipe era formada por: diretor do filme, diretor de arte e sua assistente, diretor de fotografia, chefe da elétrica, diretora de produção, produtor de locação. Cada membro respeitando a sua função, discussões sobre a viabilização das filmagens foram levantados, assim como problemas e soluções (para luz, fotografia, som e arte) de modo que a melhor escolha fosse efetivada ao fim da jornada de visitação.






DECUPAGEM DA ARTE
A partir da análise técnica e, mais preponderantemente, do roteiro a arte começou o seu trabalho de decupagem, identificando as locações (internas e externas); o momento em que as ações aconteciam na história (dia ou noite); os objetos de cena destacados no roteiro; identificando, também, onde e quais eram os efeitos especiais, traquitanas ou caracterizações presentes no filme. O roteiro foi, então, desmontado da sua ordem de sucessão dos acontecimentos e as peças que guiavam a equipe de arte eram as locações, objetos e cenas em que eles apareceriam. A partir deste ponto se pensava na necessidade de decoração do espaço, de construção do ambiente no qual o personagem iria desenvolver a sua história. Este ambiente deveria respeitar o perfil de cada personagem. Pesquisas são, então, o primeiro passo para a viabilização de uma idéia e dão coesão ao conjunto visual a ser criado num futuro próximo.

PROJETO DA ARTE



Em fevereiro de 2009 a equipe de Arte estava quase toda formada. Para a fase da construção do conceito do filme, cenógrafa, assistentes e o próprio diretor de arte atuavam em extensas pesquisas e discussões de formato, referências. A identidade visual do filme paulatinamente se formava, assim como o Projeto de Arte em si. Esta identidade visual possui uma ampla gama de atuação, uma vez que se firmavam tanto em características físicas dos personagens da trama quanto no ambiente que os circundava. Foi nesta etapa também que as linhas conceituais de figurino e do cenários foram pré-estabelecidas.

Guiado pelo roteiro, o projeto de arte ficou configurado da seguinte maneira:
1. Nas primeiras cenas do longa-metragem ocorre a apresentação dos personagens e é o momento em que se inaugura o enigma da história, esta que tem a corporificação etérea em um pesadelo, comum a cinco diferentes habitantes de uma pequena cidade do interior. Neste pesadelo um misterioso peregrino chega à cidadezinha onde residem estes principais personagens.
Para esta abertura, que é essencialmente noturna e misteriosa, Igatú recebeu uma coloração acinzentada, endurecida com as texturas de envelhecimento nas fachadas das casas, auferidas com diferentes tons de cinza. A escolha desta escala de cor deu uma atmosfera monocromática e fechada à cidade, além de ser parte da composição cenográfica da primeira e tenebrosa parte do filme.

O Homem Que Não Dormia


Eis a história, em sinopse:

Numa mesma noite, cinco pessoas de uma cidadezinha do interior são acometidas por um mesmo pesadelo envolvendo um homem sinistro e um tesouro enterrado. Com a chegada de um misterioso peregrino, o vilarejo é arrebatado da rotina medíocre e os personagens são lançados num vórtice de acontecimentos insólitos. Será assim que cada um terá sua verdade trazida à luz e se libertará do jugo perverso das hipocrisias, medos e doenças, assumindo as rédeas de seus destinos e reescrevendo suas vidas.

Qual seria, então, o papel da arte em “O homem que não dormia”? Muito além de apenas construir os cenários, a equipe da arte deveria deixar disponíveis para os outros componentes do filme (principalmente fotografia, elenco e direção) todos os indícios e truques visuais para viabilizar: o pesadelo, o mistério, a peregrinação. Além disso, deveria criar este vilarejo que cercava as vidas monótonas, dar-lhe vida, formato e uma identidade, mesmo que enfadonha. Deveria ainda expressar visualmente como estas mudanças e desvelamentos revolucionariam as vidas dos relacionados personagens principais – quase como um reforço “positivo” para confirmação das mensagens pretendidas e ações desenvolvidas pelos atores e atrizes do filme.

A equipe da arte deveria, portanto, fertilizar o campo das estruturas físicas e visuais, dando base para que todo o processo dramatúrgico e o fotográfico fossem possíveis.

O Departamento e a Direção de Arte – Um breve conceito

Se formos buscar por uma definição para “Direção de Arte” em inglês, a inclinação direta de tradução para o termo seria “Art Direction”, o que se configura como um grande equívoco. Muitos são os livros e dissertações que foram e são escritos sobre a produção cinematográfica em seus mais diversos âmbitos. Assim sendo, a direção de arte não poderia ficar à margem desta elaboração de conteúdo. Em Hollywood e nos países de língua inglesa este ofício é designado como Production Design. “O designer é o agente que cria o conceito visual de um filme através do design (concepção e criação de uma idéia) além de coordenar a construção de cenários físicos, da realidade visual. Ele se constitui como a força criativa do departamento de arte[1]”.
A aparência e estilo de qualquer produto fílmico são criados pela imaginação, artisticidade e colaboração da tríplice formada pelo diretor, pelo diretor de fotografia e pelo diretor de arte. Este último é o responsável pela interpretação do roteiro e da visão do diretor, transformando-as em ambientes físicos nos quais os atores podem desenvolver seus papéis e a sua história. A definição mais exata do processo de “design de produção” se dá por intermédio de algumas outras funções ou substantivos, tais como: metáforas visuais; palheta de cores; projetos arquitetônicos de determinadas épocas; locação; design[2] e SETS. São ainda delegadas a este designer a coordenação e escolha dos figurinos, da maquiagem, da caracterização, dos cortes e estilos de cabelo. O diretor de arte usa sketches, modelos, ilustrações, fotos, colagens, maquetes, entre outros, tudo em prol da construção desta identidade visual que necessita, muito além da arquitetura, de espaço, décor, tonalidade e texturas[3]. Estando à frente das decisões conceituais do departamento de arte (e diplomáticas com os outros diretores), ele opera com um grande time o qual transporá para realidade efeitos criativos nascidos das referências, estudos e sketches.





A ARTE é a maior de todas as equipes que compõem a produção de um filme e envolve a contratação de profissionais de diversos perfis para executar funções multifacetadas, todas em favor da construção de um mundo “real” e “físico” tomando como base as descrições e palavras contidas no texto cinematográfico – o roteiro. Estas funções e os seus agentes produtores são:
a) a composição do visual do filme (como coloração, texturas e referências) e cenários: Diretor (a) de Arte, do Cenógrafo, Cenotécnicos, Produtor de Arte, Contra-regra, Pintor de Arte, Produtor de Objetos e seus respectivos assistentes e/ou estagiários;
b) a confecção e escolha de figurinos para elenco e figurantes: Figurinista, modelista, Produtora de Figurino, Costureiras e todos os respectivos assistentes e/ou estagiários;
c) a caracterização e maquiagem dos personagens: maquiadora (s), cabeleireira e assistentes;
d) efeitos-especiais: um técnico responsável pelos efeitos e assistente(s).

Os assistentes e mão-de-obra (não especializada) recrutada no local onde estão sendo realizadas as filmagens (seja em uma pequena cidade, num estúdio ou em um bairro de uma metrópole) são as mais numerosas e freqüentes. Como a Cenotecnia envolve um grande canteiro de obras, pedreiros, marceneiros, serralheiros, etc., são sempre necessários para concretização das construções e reformas. Da mesma maneira, o pintor de arte e produtores de objetos também necessitam de um número de pessoas (fora da equipe de Arte) que efetivem de modo eficiente e mais rápido, respectivamente, a pintura de fachadas ou que possam carregar móveis grandes e pesados durante a desprodução, por exemplo.

[1] Tradução da autora do presente texto para o fragmento: “Production designer delivers the visual concept of a film through design and construction of physical scenery. The designer is the seminal, creative force of the art department.” Retirado do livro The art direction handbook for film, de Michael Rizzo, página 3.
[2] O termo deriva, originalmente, de designare, palavra em latim, sendo mais tarde adaptado para o inglês design. Denomina-se design qualquer processo técnico e criativo relacionado à configuração, concepção, elaboração e especificação de um artefato. Esse processo normalmente é orientado por uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um problema. Retirado do link:
[3] Adaptação traduzida – da autora do presente texto (Emilly Dias) – sobre o primeiro capítulo “What is Production Design?” do livro The filmmaker's guide to production design, de Vincent LoBrutto.